Cais do Ginjal, Óleo, Alfredo Keil Imagem: |
... no Ginjal nem tudo era pitoresco e divertido.
As minhas tias e a meia dúzia de raparigas solteiras não gostavam de morar no cais.
Queixavam-se elas de que viver debruçadas naquela muralha só lhes trazia tristeza e infelicidade.
Por aquele caminho só passavam operários, trabalhadores braçais e tripulantes das fragatas e dos rebocadores, que vinham carregar a mercadoria para os grandes navios.
Tudo gente que mourejava nos armazéns e nas fábricas, velhos e jovens andrajosos, muitos deles descalços, que alugavam a força de trabalho aos proprietários das firmas.
No dizer das moças casadoiras, aqueles homens não haviam sido talhados para elas lhes darem atenção.
E os anos passavam e o cais continuava embruxado. Nada alterava a vida das mulheres que não perdiam a esperança de casar.
Repetiam as tias que viver ali era como se fossem condenadas ao degredo, a um viver sem futuro, que nada mais pudesse existir para lá do sustento e dos carinhos do papá e da mamã.
Quando, certa tarde, apareceu no Ginjal o amanuense da Câmara Municipal, José Carlos de Melo, solteirão de quarenta anos, a tirar o chapéu à tia mais nova, semeou o pânico nas três filhas do Zé Correia.
Mas a Ema enveredou por uma atitude de soberba, evitando o pretendente mal ele aparecia à esquina do cais.
Tantas partidas destas lhe fez que espicaçou a curiosidade da irmã mais velha, Julieta de seu nome, que resolveu aproveitar, prantando-se à janela todas as tardes.
E foi deste modo que o Zé Melo entrou para a família.
Quanto às outras duas, a Ema e a Eugénia, não lhes apareceu outra oportunidade de casamento.
Ficaram para sempre, e só, tias — e assim envelheceram e morreram, coitadinhas. (1)
Taxi Diver, Acrílico s/ tela, Carlos Farinha, 2013 Imagem: Carlos Farinha |
(1) Correia, Romeu, O Tritão, Lisboa, Editorial Notícias, 1982, 174 págs.
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