sábado, 3 de janeiro de 2015

Casa do Monte

A Bulhão Pato (1829 - 1912)

Precisando que a boa natureza viva lhe refrescasse o sangue, que as doces harmonias campesinas lhe acalmassem os nervos, um dia partiu para o Monte, ali defronte, ao pé de Caparica.

Familia pequena, elle e a irmã velhinha. Como nunca jogara o ganha-perde da politica nem o das finanças, bastou-lhe um bote para mudar a casa.

Fragata, Higino Mendonça, dedicada a Bulhão Pato, 1895.
Imagem: Cabral Moncada Leilões

Essa mudança valeu-nos uma nova revelação do seu talento, as ultimas poesias didacticas.

Raimundo António de Bulhão Pato,
Imagem: Hemeroteca Digital

A casa do poeta fica mesmo em frente da bifurcação da estrada da Trafaria com a do Lazareto. Por um lado é perto o mar, por outro, mais perto ainda, o Tejo.

A casa de Bulhão Pato no Monte de Caparica.
Imagem:Hemeroteca Digital

A paizagem vulgar d'aquelles sitios: vinhas em volta, pinheiros ao longe. No caminho do Lazareto, a cem metros do Monte, umas ruinas pittorescas: a Casa das Bruxas, na sombra dos grandes ulmetros, onde os rouxinoes cantam na primavera.

Á hora em que o orvalho sobe mansinho no ar socegado, fazendo tremer os contornos longinquos, Bulhâo Pato, madrugador, pega da espingarda e elle ahi vae por esses montes atraz das perdizes, por esses pinhaes á espera das gallinholas.

E, vá por onde for, a natureza é bella sempre.

Por uma d'estas permutaçóes faceis a poetas, as mulheres que o saudam teem o perfume das rosas; sorriem-lhe, como labios frescos de mulheres, as papoilas de entre o trigo.

Caparica, Alto da Chibata ao Outeiro dos Capuchos (?), década de 1900.
Imagem: Hemeroteca Digital

O valle, mais abaixo, abre-se como um leque, de que o Tejo fulgurante fosse as varetas de prata; o panno parece pintado por um chinez paciente, o recorte fino dos montes da outra margem, o arvoredo até, com aquella nitidez que dão ás linhas os raios quasi horisontaes do sol nascente.

Costa da Caparica, Bairro de Santo António e Foz do Tejo, ed. Passaporte, 2, década de 1960.
Imagem: Delcampe, Oliveira

E o abrigo nas tardes chuvosas na barraca do homem do mar ou na choça do rachador de lenha? Ouvem-se perto os clarins da ventania e ao longe as ondas rufando no areal da Costa e nos cachopos da barra. (1)

Logo entradas de outono, as águas, desabando,
Tinham fartado o chão. Veiu tempo mais brando;
Depois dias de sol... (2)


Raimundo António de Bulhão Pato,
Imagem: Hemeroteca Digital


(1) Câmara, João da, A Semana de Lisboa, 31 de dezembro de 1893
(2) Bulhão Pato, Raimundo António de, Temporaes, Livro do Monte, georgicas, lyricas, 1896, Typographia da Academia, Lisboa.

Outras referências:
Efemérides
Bulhão Pato na coleção da Hemeroteca de Lisboa

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