quinta-feira, 19 de março de 2015

2 de fevereiro de 1926

O GOVERNO
CONTA DOMINAR
O MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO
DURANTE ESTA NOITE

Cacilhas, movimento de dois de Fevereiro de 1926, major Faria Leal.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

O sr. Governador Civil declarou-nos, ás 18,30,  que até agora não há suspensão de garantias.
Aconselhamos a população amanter calma, e a recolher cedo a casa, embora não haja intimação para isso.
O Governo conta dominar os elementos revolucionarios de Almada durante a noite. (1)

Movimento de dois de Fevereiro em Almada, forças de infantaria 16 e GNR após o desembarque em Cacilhas, 1926.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

O CASO DE ONTEM

Por muito habituados que todos estejamos a aventuras sem consistência nem finalidade, a que mereça a pena sacrificara tranquilidade pública, não deixamos de nos confessar surpresos com o movimento de ontem.
É mais um caso de sentimentalidade politica.
Em boa verdade, descontentes que todos estejamos com a marcha dos negócios públicos e o descontentamento não vem do agora, não vemos, sinceramente, imparcialmente, conscientemente, razão para se pretender levar a cabo um golpe de Estado contra a actual situação politica.
Um estrangeiro que entre nós vivesse para estudar a nossa psicologia politica e social não seria capaz de compreender o movimento de ontem. Nós proprios, um pouco mais familiarizados com o caracter politico e partidario da nossa gente, não encontramos explicação directa.
lndirectamente, como dizemos, o acontecimento, tão lamentável, fundamenta-se em razões platónicas de sentimetalismo.

Cacilhas, largo do Costa Pinto, forças da GNR preparando-se para o ataque aos revoltosos, 1926.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

Mas esse sentimentalismo de revolta não tem raízes na alma popular. Não significa isto que o pais reconheça como perfeito o estado actual de coisas.
Mas as revoluções estäo desacreditadas, e muito mais o estão os movimentos isolados, sem preparação séria, sem ambiente, sem condições de qualquer sorte.
São aventuras, símpáticas a alguns, mas antipáticas ai grande maioria da Nação.
Este governo, que está constituído em condições normais, não será melhor do que os antecedentes, segundo o pensamento dos seus adversários.
Mas não é peor do que os outros, e antes oferece garantias — as garantias possíveis n nossa indisciplinada sociedade-de realizar uma obra lenta e serena de reconstrução. Os seus componentes são honrados, patriotas, decididos a uma obra de purificação.
As divergências politicas, de resto, repetimo-lo, resolvem-se dentro da legalidade.
E os republícanos não devem nunca afastar-se deste campo, por maiores que sejam, e mais fundas, e mais patrióticas, as suas incompatibilidades pessoais e partidárias.

Cacilhas, rua Cândido dos Reis, forças da GNR assestando uma metralhadora, 1926.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

O governo dominou a situação. Que a aventura de ontem, que algumas vítimas causou, estragos materiais e péssimo ambiente moral, sirva de lição — quantas vezes temos escrito isto! — é o nosso desejo, e certamente o de toda a Nação.

Uma granada dos revoltosos cortou ao meio o pau de bandeira da Cadeia de Almada.
Na Outra Banda, não caiu nenhuma granada atirada de Lisboa, parece que em virtude dos propósitos da artilharia do Castelo.

Auto-retrato (detalhe), 1929.
Imagem: Tamara de Lempicka
Uma senhora estrangeira, ontem, à noite no Avenida Palace:
— E ganham os revolucionários?
— Não minha senhora, não têm probabilidades.
— Pobre familias deles, que vão ficar presos por toda a vida!
Ninguem retorquiu nada.


O CHEFE DO DISTRITO
FALA
AO DIÁRIO DE LISBOA

 
Ás 16 horas, o sr. dr. Barbosa Viana entre no seu gabinete do governo civil.
Pouco depois, chega o sr. dr. Crispiniano da Fonseca.
O sr. dr. Barbosa Viana recebe-nos:
— Há duas noites que não sei o que é dormir!
— Como teve v. exa. conhecimento da revolução?
— Pela polícia de informação. Imediatamente avisei os ministros da Marinha e da Guerra.
— Soube logo no dia 1, do plano dos revolucionários?
— Tinha apenas vagas informações. Ontem, de manhã, é que soube que eles haviam ido sublevar as forças que se encontravam em Vendas Novas.
— Tinham possibilidades do vencer?
— Não há nenhum movimento revolucionário que tenha possibilidade do triunfar. desde que as autoridades constitucionais tomem logo providências enérgicas e adoptem uma acção decisiva.

Almada, o acampamento dos revoltosos após a rendição às tropas sitiantes, revista Ilustração n.° 4, 16 de fevereiro de 1926.
Imagem: Hemeroteca Digital

Continuando:
— As revoluções são sempre iniciadas por meia duzia de audaciosos. e so os deixarem tomar posições à vontade e ganhar terreno podem vencer.
— Diz-se que a Marinha se recusou a combater os revoltosos?
— Creio que tal não se deu. O quo posso afirmar, com enorme satisfação, é que o Exército e a Guarda procederam com a maxima disciplina, não se poupando a sacrifícios para a manutenção da ordem. (2)

Os revolucionários presos, conduzidos, entre a escolta, para o Porto Brandão.
Imagem: Hemeroteca Digital

GOVERNE!

Agora o Governo que Governe.
O incidente passou e, feitas as declarações necessárias no Parlamento, o acontecimento deixa o rescaldo para os jornaes, e o resto será com a justiça.

Os revoltosos de Almada, dirigindo-se para o Porto Brandão a fim de embarcarem para o navio onde ficarão detidos.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

Simpatias, antipatias, ódios, se os ha, lamentações, aplausos e críticas — deve a eles ser o Governo alheio.
E é, com certeza.
Não suponha o sr. Antonio Maria da Silva que só são seus amigos e confiantes da sua obra aqueles que o incensam. Não creia o sr. presidente do Ministerio que são mais patriotas e mais republicanos os que andam cerca dos seus gabinetes. A posição de independência de um jornal, como de um individuo, não lhes arrebata o sentimento de justiça.

Dr. Lacerda de Almeida e Martins Júnior, chefes dos revoltosos posando para O Século em Porto Brandão, 1926.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

Com a sua experiencia, honradez, decisão e prudência reconhecidas, continue o sr. Antonio Maria da Silva imprimir ao seu Governo uma orientação de trabalho ponderado e constante. Alguns dos seus colaboradores bem merecem por sua inteligência e boa vontade.
 Há muito que fazer. Preparar a proposta da questão dos Tabacos. É uma questio aberta do Governo — disse-nos o sr. ministro das Finanças. Mas tem que haver uma base. Ela que surja.
Qualquer solução nos interessa, desde que ela seja a mais favoravel e ao interesse do Estado. O Monopólio é antipático. A Regie — pela qual não quebramos lanças — tem defensores, entre os quais o próprio ministro das Finanças, e muitos adversários. O regime de liberdade e concorrência parece preferível. O governo que se habilite, sondando a opinião pública autorizada.

Porto Brandão, movimento de 2 de Fevereiro, os revoltosos subindo para bordo do Pêro de Alenquer, 1926.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

A obra de reconstrução financeira e económica deve merecer a este governo atenção "imediata". O "deficit", se não é relativamente grande, tem de ser combatido.
Não pode este governo considerar-se desapoiado. Adversários todos os governos os têm. Alguns honram. Para deante!

Diário de Lisboa, 5 de fevereiro de 1926.
Imagem: Fundação Mário Soares

Para o caso da ordem publica — da qual é preciso não fazer espantalho — tem o ministro do Interior os seus delegados indicados.
Estas palavras escrevemo-las com simplicidade, sem afectação nem reservados intuitos.
Por pouco que valha o apoio de um jornal modesto corno o nosso, não trocamos a sinceridade dos nossos escritos por mercê alguma da terra.

Diário de Lisboa, 8 de fevereiro de 1926.
Imagem: Fundação Mário Soares

Governe o governo do sr. Antonio Maria Silva! (3)


(1) Fundação Mário Soares, Diário de Lisboa, 2 de fevereiro de 1926
(2) Fundação Mário Soares, Diário de Lisboa, 3 de fevereiro de 1926
(3) Fundação Mário Soares, Diário de Lisboa, 4 de fevereiro de 1926

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