O GOVERNO
CONTA DOMINAR
O MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO
DURANTE ESTA NOITE
CONTA DOMINAR
O MOVIMENTO REVOLUCIONÁRIO
DURANTE ESTA NOITE
Cacilhas, movimento de dois de Fevereiro de 1926, major Faria Leal. Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo |
O sr. Governador Civil declarou-nos, ás 18,30, que até agora não há suspensão de garantias.
Aconselhamos a população amanter calma, e a recolher cedo a casa, embora não haja intimação para isso.
O Governo conta dominar os elementos revolucionarios de Almada durante a noite. (1)
Movimento de dois de Fevereiro em Almada, forças de infantaria 16 e GNR após o desembarque em Cacilhas, 1926. Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo |
O CASO DE ONTEM
Por muito habituados que todos estejamos a aventuras sem consistência nem finalidade, a que mereça a pena sacrificara tranquilidade pública, não deixamos de nos confessar surpresos com o movimento de ontem.
É mais um caso de sentimentalidade politica.
Em boa verdade, descontentes que todos estejamos com a marcha dos negócios públicos e o descontentamento não vem do agora, não vemos, sinceramente, imparcialmente, conscientemente, razão para se pretender levar a cabo um golpe de Estado contra a actual situação politica.
Um estrangeiro que entre nós vivesse para estudar a nossa psicologia politica e social não seria capaz de compreender o movimento de ontem. Nós proprios, um pouco mais familiarizados com o caracter politico e partidario da nossa gente, não encontramos explicação directa.
lndirectamente, como dizemos, o acontecimento, tão lamentável, fundamenta-se em razões platónicas de sentimetalismo.
Cacilhas, largo do Costa Pinto, forças da GNR preparando-se para o ataque aos revoltosos, 1926. Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo |
Mas esse sentimentalismo de revolta não tem raízes na alma popular. Não significa isto que o pais reconheça como perfeito o estado actual de coisas.
Mas as revoluções estäo desacreditadas, e muito mais o estão os movimentos isolados, sem preparação séria, sem ambiente, sem condições de qualquer sorte.
São aventuras, símpáticas a alguns, mas antipáticas ai grande maioria da Nação.
Este governo, que está constituído em condições normais, não será melhor do que os antecedentes, segundo o pensamento dos seus adversários.
Mas não é peor do que os outros, e antes oferece garantias — as garantias possíveis n nossa indisciplinada sociedade-de realizar uma obra lenta e serena de reconstrução. Os seus componentes são honrados, patriotas, decididos a uma obra de purificação.
As divergências politicas, de resto, repetimo-lo, resolvem-se dentro da legalidade.
E os republícanos não devem nunca afastar-se deste campo, por maiores que sejam, e mais fundas, e mais patrióticas, as suas incompatibilidades pessoais e partidárias.
Cacilhas, rua Cândido dos Reis, forças da GNR assestando uma metralhadora, 1926. Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo |
O governo dominou a situação. Que a aventura de ontem, que algumas vítimas causou, estragos materiais e péssimo ambiente moral, sirva de lição — quantas vezes temos escrito isto! — é o nosso desejo, e certamente o de toda a Nação.
Uma granada dos revoltosos cortou ao meio o pau de bandeira da Cadeia de Almada.
Na Outra Banda, não caiu nenhuma granada atirada de Lisboa, parece que em virtude dos propósitos da artilharia do Castelo.
Uma senhora estrangeira, ontem, à noite no Avenida Palace:
Auto-retrato (detalhe), 1929.
Imagem: Tamara de Lempicka
— E ganham os revolucionários?
— Não minha senhora, não têm probabilidades.
— Pobre familias deles, que vão ficar presos por toda a vida!
Ninguem retorquiu nada.
O CHEFE DO DISTRITO
FALA
AO DIÁRIO DE LISBOA
Ás 16 horas, o sr. dr. Barbosa Viana entre no seu gabinete do governo civil.FALA
AO DIÁRIO DE LISBOA
Pouco depois, chega o sr. dr. Crispiniano da Fonseca.
O sr. dr. Barbosa Viana recebe-nos:
— Há duas noites que não sei o que é dormir!
— Como teve v. exa. conhecimento da revolução?
— Pela polícia de informação. Imediatamente avisei os ministros da Marinha e da Guerra.
— Soube logo no dia 1, do plano dos revolucionários?
— Tinha apenas vagas informações. Ontem, de manhã, é que soube que eles haviam ido sublevar as forças que se encontravam em Vendas Novas.
— Tinham possibilidades do vencer?
— Não há nenhum movimento revolucionário que tenha possibilidade do triunfar. desde que as autoridades constitucionais tomem logo providências enérgicas e adoptem uma acção decisiva.
Almada, o acampamento dos revoltosos após a rendição às tropas sitiantes, revista Ilustração n.° 4, 16 de fevereiro de 1926. Imagem: Hemeroteca Digital |
Continuando:
— As revoluções são sempre iniciadas por meia duzia de audaciosos. e so os deixarem tomar posições à vontade e ganhar terreno podem vencer.
— Diz-se que a Marinha se recusou a combater os revoltosos?
— Creio que tal não se deu. O quo posso afirmar, com enorme satisfação, é que o Exército e a Guarda procederam com a maxima disciplina, não se poupando a sacrifícios para a manutenção da ordem. (2)
Os revolucionários presos, conduzidos, entre a escolta, para o Porto Brandão. Imagem: Hemeroteca Digital |
GOVERNE!
Agora o Governo que Governe.
O incidente passou e, feitas as declarações necessárias no Parlamento, o acontecimento deixa o rescaldo para os jornaes, e o resto será com a justiça.
Os revoltosos de Almada, dirigindo-se para o Porto Brandão a fim de embarcarem para o navio onde ficarão detidos. Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo |
Simpatias, antipatias, ódios, se os ha, lamentações, aplausos e críticas — deve a eles ser o Governo alheio.
E é, com certeza.
Não suponha o sr. Antonio Maria da Silva que só são seus amigos e confiantes da sua obra aqueles que o incensam. Não creia o sr. presidente do Ministerio que são mais patriotas e mais republicanos os que andam cerca dos seus gabinetes. A posição de independência de um jornal, como de um individuo, não lhes arrebata o sentimento de justiça.
Dr. Lacerda de Almeida e Martins Júnior, chefes dos revoltosos posando para O Século em Porto Brandão, 1926. Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo |
Com a sua experiencia, honradez, decisão e prudência reconhecidas, continue o sr. Antonio Maria da Silva imprimir ao seu Governo uma orientação de trabalho ponderado e constante. Alguns dos seus colaboradores bem merecem por sua inteligência e boa vontade.
Há muito que fazer. Preparar a proposta da questão dos Tabacos. É uma questio aberta do Governo — disse-nos o sr. ministro das Finanças. Mas tem que haver uma base. Ela que surja.
Qualquer solução nos interessa, desde que ela seja a mais favoravel e ao interesse do Estado. O Monopólio é antipático. A Regie — pela qual não quebramos lanças — tem defensores, entre os quais o próprio ministro das Finanças, e muitos adversários. O regime de liberdade e concorrência parece preferível. O governo que se habilite, sondando a opinião pública autorizada.
Porto Brandão, movimento de 2 de Fevereiro, os revoltosos subindo para bordo do Pêro de Alenquer, 1926. Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo |
A obra de reconstrução financeira e económica deve merecer a este governo atenção "imediata". O "deficit", se não é relativamente grande, tem de ser combatido.
Não pode este governo considerar-se desapoiado. Adversários todos os governos os têm. Alguns honram. Para deante!
Diário de Lisboa, 5 de fevereiro de 1926. Imagem: Fundação Mário Soares |
Para o caso da ordem publica — da qual é preciso não fazer espantalho — tem o ministro do Interior os seus delegados indicados.
Estas palavras escrevemo-las com simplicidade, sem afectação nem reservados intuitos.
Por pouco que valha o apoio de um jornal modesto corno o nosso, não trocamos a sinceridade dos nossos escritos por mercê alguma da terra.
Diário de Lisboa, 8 de fevereiro de 1926. Imagem: Fundação Mário Soares |
Governe o governo do sr. Antonio Maria Silva! (3)
(1) Fundação Mário Soares, Diário de Lisboa, 2 de fevereiro de 1926
(2) Fundação Mário Soares, Diário de Lisboa, 3 de fevereiro de 1926
(3) Fundação Mário Soares, Diário de Lisboa, 4 de fevereiro de 1926
Sem comentários:
Enviar um comentário