Scheveningen, cromolitografia, c. 1900. Imagem: Wikimedia |
O bairro dos indígenas é quasi tão pobre, em Scheveningen, a duas milhas da Haya, como na Trafaria em frente de Lisboa. A população tem porém aqui um caracter mais grave, uma apparencia mais austera, porque os homens são verdadeiramente navegadores e não catraeiros como na bacia do Tejo.
Scheveningen. Secagem de solhas, aguarela, Vincent van Gogh, 1882. Imagem: Wikimedia |
Quando chega a estação da pesca, no principio de junho, os de Scheveningen partem para o largo, até os mares da Escossia, n'uma flotilha de solidas embarcações cobertas, largas, de um só mastro, com uma vela quadrada, protegidas por uma corveta de guerra, que as acompanha, representando o governo neerlandez na policia do mar.
Scheveningen. Despedida do pescador, pai e marido, Philip Sadée (1837 -1904). Imagem: paintings old masters blog |
Os harenques pescados vêem em cada dia para Scheveningen, com o demais peixe da costa vendido na praia em leilão, mas a grande companha de pescadores do alto não regressa senão quando a faina termina aos vendavaes do outomno.
Scheveningen. Partida dos pescadores para o mar, Philip Sadée (1837 -1904). Imagem: Scheveningen Toen en Nu |
Esses homens tão valorosos, tão simples, tão despremiados, tão pobres, sabem todos ler e escrever. Levam comsigo, ao partir, uma biblia, que lêem em grupo no convez ás horas da folga, e não bebem senão agua emquanto permanecem a bordo.
Scheveningen. Barcos de peca nas vagas, Hendrik Willem Mesdag, (1831-1915). Imagem: Scheveningen Toen en Nu |
Quando a tempestade rebenta, e depois de grande luta elles se convencem de que não podem dominar a inclemência do mar, fecham as escotilhas, e immoveis na pequena camara, silenciosos, de mãos debaixo dos braços, esperam heroicamente a morte, ao mesmo tempo que em terra, ao abrigo das dunas em que escachôa o mar, como por traz das trincheiras de uma bateria bombardeada, nas cabanas sacudidas pelo tufão, junto do lar querido, n'um aceio religioso de altar, as mulheres pallidas de terror, cantam os psalmos.
Praia de Scheveningen durante um tempo tempestuoso, Van Gogh, 1882. Imagem: Wikipedia |
Em todo o tempo da pesca ninguém vê em terra um só homem valido.
As ruas da aldeia, bem differentemente das aldeias da beira-mar em Portugal, são tão escrupulosamente aceiadas como o tombadilho de um navio de recreio. Nem a pilha de estrume, nem o lixo esparso debicado pelas galinhas ao sol, nem a camada que sobeja do isco dos anzoes a fermentar na areia, nem as creanças sujas por vestir e por assoar, nem os peixes escalados presos com três pregos ás portas escancaradas.
A aldeia de Scheveningen, Hendrik Willem Mesdag, 1873. Imagem: Geheugen van Nederland |
Todas as casas de Scheveningen estão fechadas ê reluzem pintadas de novo. Atada ás janellas alveja a cortina de cassa, e poisa no peitoril um vaso de flores.
Os pequenos ou vão para a escola ou vêem da escola, e trazem debaixo do braço a sua lousa.
Branquear a roupa em Scheveningen, Van Gogh, 1882. Imagem: Wikimedia |
As casas de cada escola distinguem-se das demais pelo montão dos tamancos que os alumnos de um e de outro sexo descalçam á porta. Esta ceremonia não os arrefece consideravelmente porque a escola é confortavelmente aquecida nos mezes de inverno, e as grossas meias de lã dos alumnos teem a consistência de sapatos.
Praia de Scheveningen, Johannes Joseph Destrée, 1871. Imagem: Wikimedia |
As mulheres vendedoras de peixe usam a saia curta, uma romeira cinzenta e um amplo chapéu que as abriga do sol e da neve e que ellas carregam sobre os olhos quando no tempo da neve partem em patins sobre os canaes gelados, com uma velocidade vertiginosa, de quatro léguas por hora.
Scheveningen. Pontão rainha Guilhermina, 1908. Imagem: writer's block |
A população dos banhistas habita quasi toda sobre as dunas, á beira d'água, no Hotel Belleville, no Hotel Ganil, no Hotel des Bains, ou em pequenas villas pittorescamente dispersas pela cordilheira em miniatura, formada pelas successivas serras de areia adhefida pela vegetação e plantada de urzes e de giestas salpicadas pelas escabiosas selvagens, conhecidas em Portugal pelo nome de saudades do campo.
Cavaleiros na praia de Scheveningen, Anton Mauve (primo de Vincent van Gogh), 1876. Imagem: Rijksmuseum |
Nada mais risonho nos dias de verão, sob a luz dourada do sol descoberto e do céu azul, do que o aspecto matinal, á hora do banho, d'esta immensa praia de areia finissima, sem pedras, sem conchas, semelhante á da costa portugueza no espaço que medeia entre o Cabo de Espichel e a Torre do Bugio. (1)
(1) Ramalho Ortigão, A Hollanda, Porto, Magalhães & Moniz, 1885
Imagens adicionais:
Scheveningen Toen en Nu
Sem comentários:
Enviar um comentário