terça-feira, 13 de novembro de 2018

Sugestões para um passeio a Almada

O relêvo de Lisboa permite que existam, espalhados pela cidade, alguns miradoiros. Integrados, por assim, dizer, no casario, sentimo-nos levados antes pelo sentido e gôsto da orientação e localização. A vizinhança dos prédios distrai-nos, a cidade apresenta-se-nos, pela proximidade, mais como um aglomerado humano que como um conjunto, mais ou menos estético, de edificações. A visão é, por todos os aspectos, parcial e reduzida.

Vista aérea de Lisboa e do Tejo em 1941.

Mas existe um ponto que pela sua especial situação é o único miradoiro sôbre Lisboa. E o espectáculo dali não é só panorâmico, é também histórico. Podem apreciar-se os estratos da formação da capital: primeiro a parte ribeirinha, a mais antiga &mdash que Lisboa nasceu com o mar; depois as épocas vão desfilando, concretizando-se em diferentes manchas de côr e aspecto; lá para o fundo, quási a adivinhar-se já, a parte moderna, as novas veias que de há cêrca de quinze anos se vem enriquecendo. 

Acompanhando o colear da fita maravilhosa do Tejo, Lisboa estende-se, indolente; indolente só em aparência, porque até n6s chega, aqui, à outra margem, o incessante rodilhar dos guindastes nos cais.

Almada, Vista Parcial (tomada do Campo de S. Paulo), ed. desc., década de 1940.
Delcampe, Bosspostcard

Pelo rio, veleiros e vapores não param. Cargueiros fundeados lembram a guerra distante: ali um da Cruz Vermelha Internacional, mais perto outro, da frota mercante da Suíça, país que tem Lisboa por principal pôrto ele mar... e mais, e mais...

Lá ao longe, envôlta em bruma e beleza, a serra de Sintra.

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Pois êste ponto da margem esquerda do Tejo, de onde Lisboa melhor se pode compreender e admirar, é Almada. E se Almada é, pois, pela sua natural situação geográfica, o único miradoiro sôbre lisboa, é lógico que para ela se voltem as atenções do turismo.


Almada, Vista Geral (tomada do Campo de S. Paulo), ed. desc., década de 1940.
Delcampe, Bosspostcard

No fundo do problema - não tendo permitido até hoje a realização de qualquer obra de vulto — está a falta de água. Falta de água, drama de uma terra encostada a um dos grandes caudais da Europa. Mas a questão está a solucionar-se e dentro de alguns meses a água, trazida de longe, percorrerá a vila, subirá às habitações, revivificará os jardins.

Transportando a água, Júlio Diniz, década de 1950.
O Pharol

Por outro lado, a vila é suja e pobre. O primeiro aspecto parece poder resolver-se com a água, com uns quilos de argamassa a rebocar faltas pelos prédios, e com umas latas de tinta ou de lusitana cal; porém, o nível de vida da população, (na maioria operariado das emprêsas fabris marginais), não lhe permite êstes gastos, embora relativamente pequenos, nem os próprios senhorios estão em condições de cumprir posturas que os obriguem a dispendiosas e freqüentes beneficiações nas suas propriedades.  A uns e a outros terá, decerto, de ir o auxílio do Estado.

Escondidinho Boca de Vento, vista tomada da rua Trigueiros Martel,
Mário Novais, 1946.
Fundação Calouste Gulbenkian
Há pequenos pormenores, porém, que são de fácil e importante remedeio. Dois exemplos: um pequeno quadrado de terreno, com um máximo de três portas nos seus quatro lados, merece a pomposa designação de Largo e, para mais, Largo de Fernão Mendes Pinto... Se não existisse qualquer letreiro, (dado que o podemos considerar como parte integrante da rua que o gera), notar-se-ia menos; mas a impressão é tanto mais penível, quanto ela nos atesta ingrata homenagem ao delicioso autor da "Peregrinarão".

Perto desse «largo» existe um prédio, de dois andares, de miserável aparência; reparando depois melhor, vemos não ser um prédio, mas a sua fachada somente. O prédio foi demolido, a fachada ficou servindo de muro. Ora, quero crer que se abatessem essa fachada e vendessem a alvenaria, o produto da venda cobriria as despesas a fazer com a construção de um simples e caiado muro.

Vejamos, agora, algumas possibilidades turísticas e de arranjo estético. Existe um pequeno miradoiro, gracioso quanto à arquitectura, ao qual falta uma pequena latada, se bem que tenha o travejamento para ela. E quero ver ainda nessa falta o problema da água. Mas uma só varanda não basta. A esplanada do Castelo... Já que falamos em Castelo, é justo perguntar que Castelo é êsse que, conquanto exista nos indicativos quilométricos da estrada e esteja ligado à história da Fundação de Portugal, por mais que o busquemos, se não distingue? Talvez que seja essa arte da guerra moderna, a camuflagem, que o esconde aos olhos dos profanos!... Urge restaurá-lo, para que as paredes que ainda restam dêle se nos não apresentem como as ruinas de um velho palheiro.

No miradouro de Almada, 5/X/1946.
Delcampe

Pois ia-vos falando da esplanada do Castelo: não seria justificável a construção, aqui, de um novo miradoiro, já que o sítio é alto?

Bastante acima do nível do Tejo, encravada na montanha que ali é áspera, há uma edificação, que não sei se teria feito parte do Castelo e que hoje pertence à Câmara de Almada. Aí, uma nova varanda, talvez a mais bela, deveria ser aberta. O Município tinha pensado já em a aproveitar para restaurante, ou mesmo pousada. É um caso merecedor de estudo, tanto mais que ainda não está na zona que as leis militares indicam como pertencendo à influência do Forte.

Almada, jornal "O Século" edição especial, 1940.

Um rochedo, a quinze ou vinte metros da margem, se estivesse ligado a esta por uma estreita ponte e possuísse condições artificiais de segurança, deveria transformar-se num local magnífico para os amadores de pesca à linha. 

Pequenas-grandes coisas a fazer... Mas tantas outras havia, que o espaço não nos deixa sugerir!

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Além, sôbre Lisboa, as sombras vão-se alargando e estendendo, vão ganhando uma tonalidade violeta; dentro em pouco, aqui e ali acender-se-ão as primeiras luzes e, mais tarde, ainda há-de Lisboa cintilar em milhares de janelas, em clarões que sobem das avenidas e das praças. Abaixo de mim, um barquito a remos faz singela cabotagem, transportando barris.

DC3 da TAP sobtre Lisboa, década de 1950.

No forte, lá no alto no mais alto de tudo que nos rodeia desenha-se nitidamente contra o azul do céu uma sentinela que vigia. Sôbre tôdas as coisas paira a recordação das chamas que consumiram o palácio de Manuel de Sousa Coutinho. (1)


(1) Panorama, revista portuguesa de arte e turismo, n.º 17, Outubro 1943

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