sábado, 21 de junho de 2014

José Carlos de Melo

José Carlos de Melo nasceu a 25 de Maio de 1886, na quinta do Pombal, cultivada por seu pai, João Carlos de Melo.

José Carlos de Melo.

Tinha mais quatro irmãos, Augusto, o primogénito, duas irmãs, Amélia e Georgina, e o mais novo, de nome Arnaldo, que fora, sem favor algum, um dos melhores músicos de filarmónica nascidos em Almada.

Rapazes e raparigas com uma instrução acima da media, pois nesse tempo a percentagem de analfabetismo cifrava-se na casa dos 80%.

Gente amistosa e convincente. a quinta do Pombal foi cedida ao longo dos anos para piqueniques e convívios de associados de colectividades da terra.

Após o exame de Instrução Primária, efectuado na escola oficial de Conde de Ferreira (a única então existente), o pequeno José Carlos de Meio ficou como ajudante do velho e prestigioso Mestre Epifânio.

Escola Primária Conde de Ferreira, Almada, instituída em 1866.
Imagem: A Magia dos Livros...

Calmo, educado, dotado de extrema paciência e competência o jovem monitor realizou uma obra deveres significativa de alfabetização nesses longínquos anos da "Belle Epóque" em que raros decifravam o alfabeto.

A 27 de Julho de 1906 ingressa como amanuense na Câmara Municipal de Almada, onde se conserva por meio século, pois só se aposenta em 1956.

Almada. Rua Direita e Egreja de S. Paulo Câmara Municipal, ed. Martins/Martins & Silva, 31, c. 1900
Imagem: Fundação Portimagem

De espírito conservador, uma vez burocratizado passou a entrar na secretaria da Câmara às onze horas, já almoçado, e saía muitas vezes às onze horas ou meia-noite.

Nunca teve férias ao longo deste meio século. Parece-nos ele que nunca esteve doente...

José Carlos de Melo por Leal da Câmara.

Muito jovem, tornou-se um homem associativo, trabalhando como director nas secretarias das mais variadas colectividades de cultura e recreio associações de Socorros Mútuos bombeiros voluntários e até em clubes desportivos.

Também as Juntas de Freguesia e a Misericórdia de Almada mereceram a sua colaboração ao longo de mais de quarenta anos.

Pertenceu igualmente a muitas e variadas comissões administrativas de colectividades.

Diziam os velhos almadenses, que o admiravam e o classificavam como o "homem que não tinha inimigos", que Zé Melo, o solteirão, recolhia todas as manhãs a casa quando batia à porta o padeiro...

É impressionante a lista de colectividades e instituições que este cidadão serviu por muitas dezenas de anos:

Na Academia de Instrução e Recreio Familiar Almadense foi várias vezes director, e de uma só vez permaneceu 25 anos no cargo de 1° secretario (secretário pela noite dentro, alumiado a candeeiro de petróleo, acrescente-se…);

Banda da Academia de Instrução e Recreio Familiar Almadense, 1925
Imagem: Restos de Colecção

Nos Bombeiros Voluntários de Almada, sócio fundador (26-8-1913), fazendo parte do seu corpo activo nos anos iniciais e prestando serviço na secretaria;

Almada, rua Capitão Leitão, aspecto de ataque a incêndio, 1938.
Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo

Na Associação de Socorros Mútuos 1° de Dezembro, sócio durante meio século e director por quatro dezenas de anos, alternados;

No Ginásio Clube do Sul, sócio fundador (17-5-1920) e presidente da Direcção em 1922. (Possuía fardamento da colectividade, pagou quotas até ao dia da sua morte e usou sempre na lapela o distintivo do clube);

Na Misericórdia de Almada, secretário e por vezes dirigente ao longo de quatro dezenas de anos.

Nas Juntas de Freguesia, muitas e variadas comissões o tiveram nos seus corpos parentes.

Foi ainda secretario e colaborador de vários jornais publicados no concelho, com destaque para o Jornal de Almada (1ª série) fundado e dirigido pelo seu velho amigo Manuel Parada.

Há também outras colectividades nas terras de Almada que tiverem como sócio de toda a vida José Carlos de Melo, como a Sociedade lncrível Almadense, o União Sport Clube Almadense e o Clube Recreativo José Avelino.

Almada, Edifício do Cine Teatro Incrível Almadense, Mário Novais,1946.
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

Pertenceu igualmente a comissões disto e daquilo grupos excursionistas, iniciativas de solidariedade para acudir a cidadãos em precária situação física ou económica.

José Carlos de Melo foi das figuras mais populares e respeitadas do concelho de Almada.

Homem de honradez acima de qualquer suspeita, extremamente educado, quando atravessava as ruas da velha vila não havia ninguém que não cumprimentasse o sr. Zé Melo.

Namorou durante anos uma senhora da terra que adoeceu com gravidade. Muitos anos a namorou à beira do leito, pagando-lhe as visitas médicas e, por fim, o funeral.


Mais tarde, por volta de 1922, enamorou-se de outra senhora, esta residente no cais do Ginjal, Julieta Mercedes Correia, com quem se consorciou pelo São João de 1926. Tinha então 41 anos de idade.

Este namoro do cais para o 1° andar durou cinco anos, tantos quanto a espera para vagar uma casa em Almada, coisa que por esse tempo era também de extrema dificuldade.

Para além de todas estas múltiplas actividades, José Carlos de Melo vivia apaixonado, de tenra idade, pela história de sua terra.

Tudo que se relacionava com Almada, ele anotava, recortava, coleccionava.

Almada, edifício dos Paços do Concelho, Leslie Howard, década de 1930.
Imagem: Museu da Cidade de Almada

Durante dezenas de anos. o nosso biografado e o primo Luís de Queirós foram as pessoas que melhor conheciam Almada e seu termo.

Almada, rua Direita, década de 1890.
Imagem: Hemeroteca Digital

Ligado desde sempre a D. Francisco de Melo e Noronha, Manuel Parada e Raul Custódio Gomes, José Melo acalentou a esperança de colaborar numa Monografia de Almada.

Há muitos textos seus publicados no Jornal de Almada, 2a série, dirigido pelo Padre Manuel Marques, que termina com a sua assinatura, tendo por debaixo a indicação: Monografia da Almada, em preparação.

A sua morte, súblta, ocorrlda a 25 de Maio de 1960, dia em que completava 75 anos da idade, frustrou-lhe, todavia, os intentos.

Todo o seu espólio foi recolhido pelo sobrinho, Romeu Correia, autor desta série de pequenas biografias.

Romeu Correia, atrás, o segundo a contar da esquerda, praia da Margueira.
Fotografia: Mário da Cruz Fernandes, 1935.
Imagem: As Margueiras

Muitos dos seus vastos conhecimentos sobre o concelho se perderam, uma vez que não ficaram anotados.

Mas muito material seu serviu a outros compiladores, e estudiosos de Almada, uma vez que nunca negou a sua ajuda e colaboração a ninguém.

Dele disse, muito agradecido, o Conde dos Arcos (in Caparica Atrevés dos Séculos, pag. 88): "José Carlos de Melo, natural de Almada, funcionário da Câmara e bastante conhecedor da história de sua terra".

Augusto Sant'Ana d'Araújo, José Alaíz, António Correia e outros publicistas e estudiosos de Almada citam-no também com frequência.

O próprio jornalista, arquivista e bibliotecário do antigo Ministério das Obras Públicas, Albino Lapa (1898 — 1969), incumbido pelo então presidente da Camara Municipal de Almada nos anos quarenta, Comandante Sá Linhares, de realizar um inventário de livros e documentos existentes no Município teve em José Carlos de Melo o melhor colaborador, dizendo dele:
"Agora muito temos a louvar o auxilio que nos prestou o funcionário dessa Câmara José Carlos de Melo, que interessado e curioso sobre todos estes assuntos muito fez e há-de fazer que decerto amanhã a Câmara constituindo uma Biblioteca para leitura pública melhor pessoa não pode ser indicada para esse fim."

Por falecimento de seu pai, José Carlos de Meio herdou uma boa parcela de terreno da quinta do Pombal.

Uma parte fora expropriada pela Câmara de então para se edificar o bairro do Pombal, e por preço irrisório.

Cova da Piedade, vista aérea (detalhe), 1938.
Terraplanagens para a construção do Bairro das Casas Económicas (metade direita superior da fotografia).
Imagem: Fundação Calouste Gulbenkian

Quanto ao talhão restante, que incluía um prédio de 1° andar e uma adega, foi abusivamente anexado, e nele construiu a Câmara o pavilhão de Assistência aos Tuberculosos, sem sequer largar um tostão ou lembrar-se de lhe dirigir um simples obrigado.

Bairro das Casas Económicas, Júlio Diniz, década de 1950.
Imagem: Cibersul

E assim viveu — modesto, desprendido e utilíssimo — José Carlos de Melo, investigador e publicista da maior importância para o conhecimento de Almada e seu termo. (1)


(1) Correia, Romeu, Homens e Mulheres vinculados às terras de Almada, (nas Artes, nas Letras e nas Ciências), Almada, Câmara Municipal de Almada, 1978, 316 págs.

Ver artigos relacionados:
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O Ginjal não é para raparigas solteiras

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