sexta-feira, 31 de outubro de 2014

O naufrágio do Pensativo

12 de dezembro de 1929

Nessa manhã de inverno, os arrais do mestre Chíco, resolveram que fosse para o mar o Pensativo, o S. Francisco, e também iria o S. José, do Júlio da Filipa. Em terra ficaria encalhado o Portugal, propriedade como o Pensativo e S. Francisco, de Francisco José da Silva (Mestre Chico).

Costa da Caparica, Praia do Sol, 1934.
Imagem: Praia do Sol (Caparica)..., Monografia de propaganda do Guia de Portugal Artístico

Era escuro, e como era vulgar, o chamador andou gritando pelas ruas da povoação chamando os pescadores: "P'ró mar! É pescadores p'ró mar!"

Costa da Caparica, Praia do Sol, cliché João Martins, 1934.
Imagem: Praia do Sol (Caparica)..., Monografia de propaganda do Guia de Portugal Artístico

Dos três barcos, o primeiro a sair foi o S. Francisco que tinha o Cavalinha por arrais, depois o Pensativo e, por último, o S. José.

Menos de uma hora andou o Pensativo ao largo, enquanto o S. José e o S. Francisco se faziam a terra, e uma leve neblina pairava ao longe. Mestre Vitorino escolheu o sítio que lhe pareceu mais sujeito a peixe, e mandou largar a rede.

Começava levemente a clarear, fazia trio, e os faróis do Bugio e do Cabo Espíchel ainda mostravam os seus sinais luminosos. Lançada a rede e dadas mais umas remadas o Pensativo aproava à praia, isolado de tudo e de todos.

O nevoeiro cerca o barco e quando guiados pela espia que ficara em terra procuram voltar à praia, a espia quebra-se!

A tripulação percebeu o perigo. Estavam perdidos. O barco sem governo tornou-se frágil e o leme inútil, e com o seu peso o Pensativo, voltou-se como um barquinho de criança.

Acudam! Socorro! Gritam os náufragos; é enorme a confusão. e o barco fica de fundo para o ar, e sob ele os pescadores lutam para salvar a vida. [...]

Para exemplificar melhor o que era a pesca nessa data, devemos dizer que os verdadeiros e antigos meia-lua, tinham 22 homens de tripulação, assim distribuídos:

na proa, dois remos com três homens cada (estes remos como é de calcular, não podiam trabalhar em paralelo, em face do seu comprimento) e os três pescadores nestes remos classificam-se por punho, ajuda e forro; depois, nos remos da "fraquinha", mais dois homens em cada, chamados punho e ajuda; a meio, outros dois remos, com dois homens cada um;à ré, os últimos remos, com quatro homens divididos, dois por cada remo; na popa, iam ainda, o caIador, o arrais e o espadilheiro; à proa, o sota, que era o homem da vara, num total portanto de vinte e dois homens.

Costa da Caparica, Praia do Sol, cliché João Martins, 1934.
Imagem: Praia do Sol (Caparica)..., Monografia de propaganda do Guia de Portugal Artístico

Nesse dia de 12 de Dezembro de 1929, o Pensativo levava apenas vinte homens, sendo seu arrais, o conhecido pescador, Vitorino José, homem conhecedor e para quem o mar da Costa de Caparica não tinha segredos. [...]

Para o relato ser quanto possivel completo, devemos dizer que os barcos quando vão para o mar, deixam ficar em terra uma corda com a qual puxam a rede que vão lançar e pela qual o barco é orientado para vencer a ressaca.

Costa da Caparica, Praia do Sol, 1934.
Imagem: Praia do Sol (Caparica)..., Monografia de propaganda do Guia de Portugal Artístico

Na ponta dessa corda, fica enterrada na praia uma recoveíra ou estaca, como lhe queiram chamar, onde de noite é colocado um candeeiro para, como farol, indicar ao arrais, onde está a ponta da corda pela qual se deve dirigir para terra.

Naquele tempo todas as artes tinham pelo menos, duas redes e as respectivas cordas: as mais usadas eram para serem servidas no verão em que o tempo é melhor, e não há tanta maresia ou corso, como dizem os pescadores, e as mais novas, no Inverno, por causa do que apontámos anteriormente.

Costa da Caparica, Praia do Sol, 1934.
Imagem: Praia do Sol (Caparica)..., Monografia de propaganda do Guia de Portugal Artístico

Outro pormenor interessante é quando o barco aproa a terra salta o arrais, e, é colocada uma fateíxa na ponta de um cabo e enterrada na areia.

Se a maré enche, fica um homem a bordo ou em terra que vai puxando o barco. Se a maré vasa, o barco fica em seco e portanto não ê preciso ficar alguém para o puxar.

Mas, voltando ao Pensativo, devemos dizer que por motivos que ainda hoje se desconhece não se encontra justificação como a corda nova rebentou quando o barco vinha para terra na crista de um vagalhão.

Costa da Caparica, Praia do Sol, 1934.
Imagem: Praia do Sol (Caparica)..., Monografia de propaganda do Guia de Portugal Artístico

Dizia-se nessa data, e ainda hoje a dúvida existe, que a corda fora picada, isto é, tinha sido cortada de propósito. [...] (1)


(1) Correia, António, Subsídios para a História do Concelho de Almada, Almada, Câmara Municipal de Almada, 1974.

Imagens: Praia do Sol (Caparica): estância balnear de cura, repouso e turismo, Monografia de propaganda do Guia de Portugal Artístico, 1934, M. Costa Ramalho, Lisboa.

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