segunda-feira, 7 de março de 2016

Defesa de Lisboa em 1834

D. Miguel dispunha ainda pela sua parte de todos os recursos do reino, exceptuando apenas as duas cidades de Lisboa e Porto. Por todo o paiz os membros do clero secular e regular haviam pregado uma nova cruzada contra os constitucionaes [...]

Almada vue d'Alfeita [sic], François d'Orléans, prince de Joinville, 1842.
Imagem: artnet

O elevado morro de Palmella havia sido fortificado e guarnecido com doze bocas de fogo, o que igualmente tinha succedido a Almada e Cacilhas, onde se formara uma espécie de isthmo por meio de uma linha, que corria do Pragal á Margueira, guarnecida também por vinte e duas peças de artílheria. (1)

Mutela na enseada da Cova da Piedade (detalhe da vista de Cacilhas e de S. Julião), Charles Landseer, 1825.
Imagem: Instituto Moreira Salles

Em 1833-1834 as forças liberais, logo após a tomada de Lisboa, prevenindo-se contra um ataque à capital pelos miguelistas que continuavam em operações a sul do Tejo, estabeleceram entre o Paliarte [Palliart, quinta e convento de S. Paulo] e a Margueira uma linha fortificada continua que cortava por completo o acesso a Almada e Cacilhas.
Quando se elaborou a carta topográfica militar de 1834 representando a linha fortificada já a quinta e convento de S. Paulo pertenciam a um comerciante de nome Palliart ou Paliarte, como se indica na legenda da carta. As propriedades haviam sido vendidas em consequência da extinção das ordens religiosas. A propriedade regressou à posse da igreja em 1934, voltando então a ser designada por quinta de S. Paulo, mas o nome de Paliarte, que perdurou 100 anos, ainda é uma designação conhecida.
Segundo Fernando Mendes [A dynastia de Bragança...] a linha comportou 22 peças, artilhamento que confere aproximadamente com o constante da carta topográfica militar [Planta da linha de defensa que cobre as villas d'Almada e Cacilhas] levantada [e desenhada] pelo 2.° tenente [do Real Corpo de] engenheiro[s] Manuel Maria da Rocha em 1834: 18 peças.

Vista parcial do lado sul de Almada, Possidónio da Silva, 1863
Imagem: Revista pittoresca e descriptiva de Portugal

A carta é pormenorizada quanto ao traçado da linha e sua construção mas quase omissa quanto ao terreno, apenas se representando toscamente as arribas da margem e pequenos troços das azinhagas que cruzavam a linha.

A localização da linha pode no entanto fazer-se com rigor a partir do desenho que serviu de base ao plano hidrográfico do porto de Lisboa, levantado em 1845-1847.

Plano Hydrográfico do Porto de Lisboa (detalhe), 1847.

O flanco direito da linha assentava na encosta a norte do convento de S. Paulo; de aqui contornava a igreja e o convento de S. Paulo e descia para sueste numa frente rectilínea até a proximidade do teatro da Academia Almadense; ao cruzar a estrada para a Caparica, actual rua Capitão Leitão, formava um reduto; inflectia um pouco para leste e, junto ao local ocupado pela nova igreja de Almada apresentava um meio reduto; continuava para leste com duas frentes formando um ligeiro saliente próximo da rua Lourenço Pires de Távora, no sítio onde estivera o reduto do Conde; atravessava depois a estrada Cacilhas-Piedade pelo alto da Mutela, junto à rua Jorge de Paiva, formando um relente; dirigia-se daqui para sul e rematava na arriba com uma pequena frente olhando a Mutela.

Vista Geral, Cova da Piedade, ed. desc., década de 1900.
Imagem: Delcampe

Uma muralha isolada cortando a praia desde o sopé da arriba até ao nivel do baixa mar completava a obra protegendo o flanco. 

A esquerda da linha coincide num ponto com obra já existente: o meio reduto da Quinta do Conde que pode ter aproveitado parte do Forte do Conde. 

A casa de D. Francisco de Noronha (Prédio do Gato) Cacilhas, década de 1920/1930.
Imagem: Nuno Machado

Esta coincidência reforça a convicção de que os fortes do Conde e da Margueira ainda existiam em 1833 e que a última resistência séria oferecida por Teles Jordão em retirada, buscava apoio nas fortificações.

Sabe-se que nesse local, entre os dois fortes, passava a estrada Piedade-Cacilhas e Teles Jordão colocara aí artilharia. o castelo de Almada e as Linhas de Defesa estavam subordinados ao mesmo comando.

Oficial do Regimento de Infantaria n° 2, 1834.
Aguarela de Ribeiro Arthur.
Imagem: Colecção de Postais de Ribeiro Arthur

Desconhecemos se o mapa de guarnição elaborado em 1833, com o total de 148 homens abrangia não só o castelo mas as linhas de defesa que contariam também com o reforço do Batalhão Nacional Fixo d'Almada. Em qualquer caso, a importância das linhas e o quantitativo da guarnição justificavam o comando de um tenente-coronel e a presença de um cirurgião mor.

Exerceram o comando, no período de maior perigo para os liberais dois oficiais notáveis: Amaro dos Santos Barroso (1833-34) e Adriano Mauricio Guilherme Ferreri (1834-35) e o cargo de cirurgião mor, o cirurgião civil Francisco Inácio Lopes, um almadense também notável.

Planta do Rio Tejo e suas margens (detalhe), 1883.
Imagem: Biblioteca Nacional de Portugal

Pela observação dos planos hidrográficos conclui-se que a linha ainda existia em 1847 e, muito provavelmente, em 1878. Desapareceu antes do fim do século. (2)


(1) Simão José da Luz Soriano, Historia da Guerra Civil e do estabelecimento do governo parlamentar em Portugal... Tomo V, Lisboa, Imprensa Nacional, 1885
(2) R. H. Pereira de Sousa, Fortalezas de Almada e seu termo, Almada, Arquivo Histórico da Câmara Municipal, 1981, 192 págs.

Artigo relacionado:
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