segunda-feira, 28 de março de 2016

Praia do Alfeite e Lavadeiras na Romeira

D'entre os quadros expostos pelo sr. Antonio Ramalho, um rapaz que começa, com uma bella arrogancia sustentada por um temperamento robusto d'artista, o intitulado "Praia do Alfeite" (n.° 31) é um dos mais notaveis.

Praia do Alfeite — Quadro de Ramalho Junior comprado pelo sr. Dr. Luiz Jardim (desenho do mesmo auctor), 1882.
Imagem: Hemeroteca Digital

Ha n'elle uma riqueza enorme de tons amarellos, largamente espalhados por toda a parte, — nos altos saibros que se levantam pesadamente á esquerda, no areial immenso que vem descendo até ao rio, e ainda em mais saibros que se alastram, lá ao fundo, reflectindo-se fortemente nas aguas quietas.

Até, uma pobre mulher que está toda curvada para o chão no primeiro plano, sobre a areia, tem uma saia amarella! Entretanto, todos aquelles tons embaraçosos foram achados com uma felicidade rara, excepto o do grande areial, que é alvejante de mais frio.

As figuras elegantes das banhistas que passeiam na praia, umas de toilettes simples mas vistosas, e com sombrinhas listradas, outras de lucto, funereas, são d'um desenho primoroso ; e o rapazito que sentado na areia n'ella enterra as mãos, entretido e deliciado, é realmente uma nota curiosa diurna observação feliz.

Na praia do Alfeite, finais do século XIX.
Imagem: Museu da Cidade de Almada

As aguas, d'um socego somnolento, são soberbamente tocadas, bordadas d'espumas claras e manchadas d'esverdeamentos fluctuantes d'algas. E todo o quadro, com o monte verdejante que, salpicado de casarias brancas, vae subindo, ao fundo, até ao azul sereno da atmosphera inundada de sol, é d'uma perspectiva excellente, e d'urn effeito geral esplendido.

Quadro d'uma execução muito feliz, as "Lavadeiras. na Romeira" (n.° 35). No primeiro plano, ao meio d'um largo prado atapetado de relvas frescas, d'um verde tenro, ha uma grande poça cheia d'aguas ensaboadas, de roda da qual as lavadeiras atarefadas, umas em pé e outras de joelhos, sacodem, ensaboam, e esfregam valentemente as suas roupas, numa faina dura sem duvida alegrada por conversas mexeriqueiras; as figuras rudes d estas mulheres, de mangas arregaçadas, vestidos molhados e lenços baratos de cores diversas na cabeça e nos hombros, são d'um desenho bem indicado, vigoroso; — apenas se pôde notar em algumas d'ellas uma certa transparencia, verdadeiramente inexplicavel. 

Lavadeiras na Romeira, Alfeite — Quadro de Ramalho Junior comprado pelo sr. Pereira da Costa, 1882.
Imagem: Hemeroteca Digital

Á esquerda, sobre uns ramos verdes, estão a enxugar varias roupas, brancas e de côr; depois, estende-se uma espessura de grandes choupos, de ramarias esbranquiçadas e redondas, e por cima d'uns saibros muito escuros que correm a todo o fundo até á direita, perfila-se um canavial extenso, por traz do qual apparecem confusamente manchas irregulares de pinheiros mansos melancolicos.

É um dia de outomno, humido, e a atmosphera um tanto brumosa escorre como que uma penetrante frescura triste.

Arredores de Lisboa: na Romeira próximo da Cova da Piedade — Um lavadouro, 1905.
Imagem: Hemeroteca Digital

Este quadro, tocado com uma espontaneidade soberba, é d'uma impressão profunda, bem sentida pelo artista; e só a franqueza rapida e sincera com que está pintado é que fez que alguns pontos se achem quasi que apenas ligeiramente esboçados,— o que, ainda assim, nada prejudica o çonjuncto admiravel da tela. (1)


(1) O Occidente, n.° 115, 1 de Março de 1882

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