Aspecto do bairro piscatório da Costa da Caparica (detalhe), 1938. Imagem: Arquivo Nacional Torre do Tombo |
Nos verdes anos, fora delgadinha como junco, uma trança a roçagar pela anca, seios duros que a impediam de debruçar-se, no enxergão.
Branquinhas, avaramente atafulhadas nos panos das saias, às suas pernas nem o rabo do olho do Bernardino lá trepara.
Vivia-se sob junco e colmo, tornavam-se fastios quando o peixe não andava de través, mas nem por isso a praia deixava de possuir moças mais lindas que a luz do sol...
Os Faroleiros de Raul de Caldevilla (detalhe), 1922. Imagem: CINE-PT CINEMA PORTUGUËS |
Vira-te ao norte
eu estou viradinha ao sul...
Pelas rodas do S. Pedro, fogachos crepitavam noite adiante — e os olhos dos rapazes mordiam-nas de desejos...
o luxo das raparigas:
saia branca e barra azul.
Então, um homem valia tanto como uma mulher: quando a possuía, ia tão inteirinho como ela...
Casamento aprazado tinha que se lhe dissesse. Não era qualquer catraio que suportava tão sério encargo. Se um rapaz "arreava" o dinheiro nas mãos da conversada, todo o mundo os considerava unidos para a vida e para a morte e só não se "amanhavam" os parvos...
Havia, então, um dia escolhido — o mais lindo na vida de uma rapariga de Caparica! — em que os dois abalavam cedinho para a Trafaria, metiam-se no vapor e iam fazer compras a Belém:
1 — cama
1 — colchão
1 — cobertor
1 — mala
6 — toalhas e...
uma peça de pano cru para lençóis, travesseiros e almofadas.
Era o dia mais feliz na vida de uma rapariga de Caparica! Nunca os olhos se mostravam tão brilhantes, a boca tão levada a sorrisos.
Recebia da casa paterna os arranjos de cozinha: fogareiro, tachos e talheres, e só mais tarde, quantas e quantas vezes já com filhos a gatinhar, o casal se metia a segunda despesa:
1 — lavatório
1 — mesa
6 — cadeiras de pinho.
E, assim, as moças casavam, enchiam-se de filhos, e punham-se umas caras de velhas...
A Praia do Sol, O mercado, ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia, 109. Imagem: Delcampe |
Rapariga nã te cases
logra-te da boa-vida!
A boa-vida era ajudar a mãe em toda a lida caseira, calcorrear para a venda com a canastra à cabeça e pegar nos irmãos que so-bejam dos braços maternos!...
Eu já vi uma casada
chorando de arrepindida!
"É mentira! Chora-se por outros motivos: arrepindimento, não. O mar alguma vez já se arrepindeu de tar com a areia?! A áugua que escorre da rocha nã quis alguma vez esse caminho!? O corvo já pensou em trocar as suas penas negras par as brancas, da gaivota!?"
Pescadores e Varinas, Manuel Ribeiro de Pavia. Imagem: Cabral Moncada Leilões |
Também a ti Palmira nunca chorou de arrependida.
Somos varinas
vamos à praia...
"Digo eu que o destino de cada um é coisa tão rigorosa pró rico como pró pobre... Tanto faz que uma alma chore baba e ranho, como não. A coisa tá só em cada um de nós poder adevinhá-lo... Atão é que se evitam muitas asneiras e desgostos! ..."
Costa da Caparica, ed. Acção Bíblica/Casa da Bíblia, s/n, cliché João Martins, década de 1930. Imagem: Fundação Portimagem |
Os nossos homens
vêm cansados
vêm arribados
do alto mar... (1)
(1) Romeu Correia, Calamento, Lisboa, Editorial Minerva, 1950
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